25 dezembro 2009

O Grande Botão Vermelho
de Diogo Mainardi


"Neil Young é um colecionador de trens elétricos. Como seu filho era incapaz de acionar os trens, ele inventou um dispositivo: O Grande Botão Vermelho. Meu filho tem um Grande Botão Vermelho conectado a mim. Ele me liga e desliga quando quer"
Eu tenho um filho com paralisia cerebral. Neil Young tem dois. Ele fez o hino da paralisia cerebral. É T-Bone, do disco Re-ac-tor. Neil Young repete uma mesma frase sem parar, por nove minutos e dez segundos: Got mashed potatoes Ain't got no T-bone Ou: Tenho purê de batatas Não tenho bisteca

A paralisia cerebral é uma anomalia motora. Meu filho anda errado, pega errado, fala errado. Quando é para soltar um músculo, ele contrai. Quando é para contrair, ele solta. O cérebro dá uma ordem, o corpo desobedece. É o motim do corpo contra o cérebro. Como o doutor Strangelove que se estrangula, com aquela sua "síndrome da mão alienígena".

O tratamento da paralisia cerebral consiste em repetir em casa e na fisioterapia os movimentos que os outros meninos aprendem instintivamente. Sobe. Desce. Rola para um lado. Rola para o outro. Abre. Fecha. Perna direita para a frente. Perna esquerda para a frente.

Neil Young teve dois filhos com paralisia cerebral com duas mulheres diferentes. Por isso ele é o chefe da nossa tribo. O primeiro filho se chama Zeke. O segundo se chama Ben. T-Bone é de 1981. Na época, Ben tinha 3 anos de idade. Ele era tratado pelo método Doman, um programa de terapia intensiva desenvolvido na Filadélfia, nos Estados Unidos. Eram doze horas por dia de terapia caseira, sete dias por semana.

Neil Young falou sobre o período:

– Nosso filho não engatinhava, e diziam que, se ele não conseguisse engatinhar, a culpa era nossa, porque não tínhamos seguido o programa direito. Sofremos uma lavagem cerebral para pensar que o único jeito de salvar nosso filho era o programa. Durou dezoito meses. Dezoito meses sem sair de casa.

Neil Young só podia trabalhar entre 2 e 6 da tarde. Foi nesse intervalo de quatro horas diárias que ele gravou Re-ac-tor. O resto do tempo era dedicado à terapia de Ben, repetindo obcecadamente sua rotina de movimentos. Batata. Bisteca. Batata. Bisteca. Batata. Bisteca. Batata.

O método Doman era uma seita. Ao longo dos anos, acabou perdendo adeptos. O conceito lamarckiano de que o uso contínuo podia moldar as características dos portadores de paralisia cerebral foi posto de lado. Era muita batata para pouca bisteca.

Quando Neil Young percebeu isso, tudo mudou. Em vez de tentar adaptar Ben à realidade, ele passou a adaptar a realidade a Ben. Neil Young é um colecionador de trens elétricos. Como Ben era incapaz de acionar os trens, ele inventou um dispositivo para facilitar a operação. O dispositivo ficou conhecido como O Grande Botão Vermelho. Com O Grande Botão Vermelho, Ben podia finalmente abrir porteiras, engatar locomotivas, fazer o trem mudar de trilho, soltar fumaça e apitar.

Meu filho nunca se interessou por trens elétricos. Mas ele tem um Grande Botão Vermelho conectado a mim. Ele me liga e desliga quando quer. E me faz mudar de trilho, soltar fumaça e apitar."











[Revista VEJA, 3.3.2007, Ed. n° 1998]








Um comentário:

Juan Moravagine Carneiro disse...

Digamos que Neil Young ao lado de Bob Dylan, leonard Cohen e Bill callahan têm sido minha trilha sonora nos últimos tempos.
Tenho gostado muito de como vc está trabalhando seus últimos post...Até por que me é bem familiar essa questão.

Acho que devia ouvir Bill Callahan

até